Ai, Caeiro... Caeiro...

Motivo nº: n+23

Pessoa: um dos meus ídolos. E, também, um poema seu.


Agora um poema do Pessoa. Porque Pessoa e eu macumunamos:

A Espantosa Realidade das Cousas

A espantosa realidade das cousas
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada cousa é o que é,
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra, 
E quanto isso me basta.

Basta existir para se ser completo.

Tenho escrito bastantes poemas.
Hei de escrever muitos mais. Naturalmente.

Cada poema meu diz isto, 
E todos os meus poemas são diferentes, 
Porque cada cousa que há é uma maneira de dizer isto.

Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra.
Não me ponho a pensar se ela sente.
Não me perco a chamar-lhe minha irmã.
Mas gosto dela por ser uma pedra,
Gosto dela porque ela não sente nada.
Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo.

Outras vezes oiço passar o vento,
E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.

Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto;
Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem estorvo,
Nem ideia de outras pessoa a ouvir-me pensar;
Porque o penso sem pensamentos
Porque o digo como as minhas palavras o dizem.

Uma vez chamaram-se poeta materialista,
E eu admirei-me, porque não julgava
Que se me pudesse chamar qualquer cousa.
Eu nem sequer sou poeta: vejo.
Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho:
O valor está ali, nos meus versos.
Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade.

(Alberto Caeiro _ heterônimo de Fernando Pessoa, em "Poemas Inconjuntos")
 
Digitei no Google dia desses "escrevo como quem" e encontrei este poema, de modo totalmente aleatório. E perceba como é rico e como sua essência diz respeito a exatamente o que foi dito. E ao que se diz e ao que se tem a dizer.
Fernando Pessoa, conheço como poeta. Sei que escrevia suas poesias e assinava por heterônimos. Admiro muito Fernando Pessoa, mas em especial as características poéticas de um de seus heterônimos: Alberto Caeiro. Segundo Pessoa, esse heterônimo surgiu depois de muito tentar elaborá-lo sem sucesso. Quando finalmente desistiu "foi em 8 de Março de 1914 — acerquei-me de uma cómoda alta, e, tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim. Abri com um título, O Guardador de Rebanhos. E o que se seguiu foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei desde logo o nome de Alberto Caeiro. Desculpe-me o absurdo da frase: aparecera em mim o meu mestre. Foi essa a sensação imediata que tive.”
Quando Fernando Pessoa escreve em nome de Caeiro, diz que o faz “por pura e inesperada inspiração, sem saber ou sequer calcular que iria escrever.”*
Com sede de poesia, encontrei no Domínio Público três páginas puras de versos de Caeiro. E cada um deles que leio vejo exatamente aquilo que tenho que ver. São versos que mexem comigo. Me emocionam. E não seguem rimas ou o que quer que se exige dos poemas por aí. São poemas mais puros em que podem ser. E vejo muito autoconhecimento neles. 
O que leio nada mais é do que no que acredito: somos. Existimos. É preciso ver as coisas como são: pedras como pedras, árvores como árvores, flores como flores e não como pensamos que são. É preciso senti-las, mas não como o tratar dos poetas místicos que dão vida a coisas quando essa vida é na verdade reflexo deles mesmos. 
Tudo o que tenho a dizer é que... ai, Caeiro... Caeiro... falais o que consigo ouvir, vejo em teus versos o que há para ver. E só assim sou. :)

*http://casafernandopessoa.cm-lisboa.pt/index.php?id=4289

Imagem by Pixabay

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